Levando a política de comunicação para fora da cabine telefônica*

Gregory Taylor, Professor Assistente do Departamento de Comunicação, Mídia e Filme, Universidade de Calgary, no Canadá

Catherine Middleton, Canada Research Chair em Tecnologias da Comunicação na Sociedade da Informação, Universidade Ryerson, Toronto, Canadá

Paul Goodrick, Pesquisador Associado, Canadian Spectrum Policy Research, e Mestrando em Comunicação e Cultura nas Universidades Ryerson e York, Toronto, Canadá

Data da publicação: 

Novembro de 2015

Os canadenses amam os pequenos e poderosos computadores que chamamos confusamente de “smartphones”. Estes dispositivos mudaram nossas vidas e poderiam fazer muito mais por nós no futuro, mas somente se conseguirmos construir uma política adequada de transmissão de dados sem fio.

Vivemos em uma era de imensas oportunidades para comunicações digitais, mas o governo canadense tem dificuldade de pensar fora da cabine de telefone. São dados, e não voz, que impulsionam o crescimento das redes sem fio, mas isso não se reflete na atual política canadense para o setor.

O ministro da Indústria, James Moore, foi rápido em declarar vitória quando anunciou os resultados do lucrativo leilão de espectro de 700 MHz, no início de 2014. Juntamente com a arrecadação de 5,2 bilhões de dólares canadenses, Moore declarou que a abordagem do governo permitiu alcançar a meta de garantir quatro operadoras de serviços sem fio (empresas de telefonia celular) em todas as regiões do Canadá. Toda e qualquer crítica foi preventivamente “emudecida”. Mas os canadenses querem comunicações móveis acessíveis, confiáveis e a preços razoáveis. Para obter isso, a política canadense deve explorar vias para além da busca quixotesca por uma quarta operadora de celular.

Os “smartphones” mais recentes são maiores, semelhantes a um “tablet” – o apelo a uma tela maior claramente não é para transmissão de voz. A agência reguladora canadense de telecomunicações observa que, entre 2009 e 2013, a taxa de crescimento anual composto de receita de serviços móveis de voz básica caiu cerca de quatro por cento, enquanto as receitas geradas a partir de serviços de dados no mesmo período cresceu 26 por cento. Os serviços de voz continuam lucrativos (contribuindo com 44 por cento das receitas de telecomunicações móveis em 2013, em comparação com cerca de 37 por cento para os serviços de dados). No entanto, uma mentalidade centrada em serviços de voz não serve mais para nossas necessidades de longo prazo, e os canadenses estão cada vez mais adotando serviços de comunicação baseada em dados1.

Embora a adoção de celulares no Canadá tenha sido relativamente lenta, os “smartphones” são extremamente populares. Operadoras de celular lançaram redes 4G/LTE rápidas em muitas áreas do Canadá. Essa implantação de redes mais confiáveis e rápidas, juntamente com a ampla adoção de “smartphones” e “tablets”, tem aumentado a demanda por vídeo digital em dispositivos móveis.

Redes celulares mais antigas usam conexões dedicadas para chamadas de voz, tornando-as essencialmente similares à telefonia fixa tradicional. No entanto, com a adoção do serviço de voz digitalizada sobre LTE, ou VoLTE, a função de voz se torna apenas mais um fluxo de dados – como o Skype. A OCDE observou, em seu relatório de 2013, que a “telefonia se torna cada vez mais apenas outro aplicativo pela rede, utilizando o protocolo de Internet”2. Como as redes mais antigas devem terminar em breve, um plano de voz, atualmente a parte mais lucrativa de pacotes de celulares, será cada vez mais uma falácia.

Mais acesso a dados oferece uma grande variedade de opções de comunicação que não exigem um plano de telefonia com uma operadora de celular. Serviços VoIP e outros como FaceTime, Skype, Google Hangouts, WhatsApp permitem transmitir chamadas através de pacotes de dados de Internet em vez da rede de telecomunicações tradicional. Mais e mais canadenses estão fazendo chamadas telefônicas em seus dispositivos móveis usando os dados, em vez de minutos de voz. Alguns estão optando por ignorar completamente as operadoras de telefonia móvel com dispositivos só de dados, que permitem chamadas VoIP e mensagens de texto via Internet através de serviços como WhatsApp, em vez de mensagens de texto SMS tradicionais vendidas por operadoras como parte dos planos mensais de telefone.

Quando a perspectiva de políticas para o setor muda o foco do aumento da concorrência entre empresas de telefonia celular em prol da melhoria da conectividade móvel, há uma oportunidade para que os governos sejam mais criativos. Apesar das preocupações repetidas da indústria sobre uma escassez de espectro, faixas de espectro adequadas para dados móveis estão ociosas em grande parte do Canadá.

Os espaços em branco de frequências não utilizadas são faixas de espectro que se tornam valiosas ao serem liberadas com a transição para a TV digital3. Uma vez que muitas áreas do Canadá têm pouca ou nenhuma cobertura de TV aberta, faixas significativas de espectro nessas áreas não são utilizadas. Os EUA já utilizam esses espaços em branco para serviços de banda larga desde 2011, e a Inglaterra testa as tecnologias envolvidas para fornecer acesso sem fio na área central de Londres e em áreas remotas da Escócia. Isto não se refere a serviço de telefonia, mas à conectividade sem fio. O Ministério da Indústria canadense abriu a possibilidade de um maior desenvolvimento no uso dos espaços em branco em janeiro de 2015, mas o país está atrasado nisso e até agora não há novas instalações em operação.

Em 2006, o Ministério da Indústria começou a explorar um pouco desse recurso público através dos chamados Sistemas de Banda Larga Rurais Remotos (RRBS), licenciando porções dos espaços em branco. Esta é uma iniciativa bem-vinda, e 83 prestadores licenciados já oferecem banda larga rural através de frequências de TV não utilizadas. Em dezembro de 2014, o ministério estabeleceu uma moratória sobre novos RRBS, para analisar o futuro do uso das faixas em torno de 600 MHz em que esses serviços operam. Os RRBS usando espaços em branco são alternativas reais para simplificar a expansão dos sistemas já estabelecidos.

Outros países estão sendo muito mais proativos na busca de métodos alternativos de prestação de serviços de dados móveis. Em 2012, o Conselho de Assessores de Ciência e Tecnologia do Presidente dos EUA divulgou um relatório que pede à Casa Branca para evitar as licenças exclusivas e promover novas tecnologias de compartilhamento de espectro, ofertando para isso uma faixa de 1 GHz para uso compartilhado. De acordo com os autores do relatório, “a norma para a utilização do espectro deve ser a partilha, não a exclusividade”4. No Reino Unido, a Estratégia de Gestão do Espectro da agência reguladora Ofcom, lançada em abril de 2014, prevê um aumento de acesso ao espectro compartilhado ao longo dos próximos 10 anos5. No Canadá, a estratégia de governo Canadá Digital 150, de 2014, sequer menciona o espectro compartilhado6.

O advento do WiFi foi estimulado por uma visão da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC), nos anos de 1980, para incentivar o uso de novas tecnologias sem fio então desconhecidas, que não exigem licenças exclusivas. O uso do WiFi explodiu e se tornou uma tecnologia comum nos domicílios, baseada no princípio de espectro compartilhado. O uso do WiFi continua a crescer exponencialmente e, em março de 2014, a FCC alocou mais 100 MHz de espectro para ele.

Em todos os EUA, provedores de banda larga via cabo tradicionais como a Comcast, Cablevision, Cox Communications, Bright House Networks e Time Warner Cable firmaram um acordo, a iniciativa Cabo-WiFi, permitindo que os seus clientes façam “roaming” entre as redes de dados WiFi de cada um deles. A Cablevision já aproveitou o crescente número de hotspots WiFi com o lançamento de um serviço de telefonia móvel apenas via WiFi em fevereiro de 2015. No Canadá ocidental, a Shaw está desenvolvendo uma rede WiFi comercial para seus clientes tradicionais de banda larga fixa. Nenhuma dessas iniciativas requer uma licença exclusiva.

O modelo de futuro para as comunicações móveis é claramente o de compartilhamento de espectro, não a apropriação privada exclusiva das ondas de rádio. No entanto, o Canadá, onde a maior parte do espectro fica ocioso, permanece em grande parte atolado em uma abordagem – leilões de espectro – que prioriza a posse exclusiva.

Existem muitos caminhos à disposição, mas até agora a única estratégia do governo é incentivar a chegada de uma nova operadora de telefonia celular nacional – que pode muito bem se juntar com ou causar uma fusão entre as poucas empresas do setor, deixando o Canadá com um legado duradouro de concentração de telecomunicações.

Uma estratégia digital abrangente (que completaria a Digital Canadá 150) teria notado que o futuro está nos dados, não no telefone. O governo deveria recuar nas batalhas de telecomunicações e, em vez disso, tomar medidas para progredir no acesso a serviços móveis de dados, permitindo que os canadenses possam experimentar e moldar um setor das comunicações mais acessível e dinâmico.

* Baseado em texto originalmente publicado em Taylor, G., Middleton, C., & Goodrick, P. (2015). Getting Communications Policy out of the Telephone Booth. Policy Options, maio-junho, 46-48.

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1. http://www.crtc.gc.ca/eng/publications/reports/policymonitoring/2014/cmr...

2. http://www.oecd.org/sti/broadband/oecd-communications-outlook-19991460.htm

3. A TV aberta tradicional, analógica (“over the air” ou OTA), requer que canais adjacentes fiquem sem uso para evitar interferência – são os “espaços em branco” (“white spaces”) das faixas de espectro utilizadas pela TV aberta nos canais VHF e UHF.

4. President's Council of Advisors on Science and Technology, Report To The President - Realizing The Full Potential Of Governmen T-Held Spectrum To Spur Economic Growth, Washington, DC: julho de 2012. Ver https://www.whitehouse.gov/sites/default/files/microsites/ostp/pcast_spe...

5. Ver http://stakeholders.ofcom.org.uk/consultations/spectrum-management-strat...

6. Ver http://www.ic.gc.ca/eic/site/028.nsf/eng/home

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