Avaliação do IV Fórum de Governança da Internet*

*Para informações sobre o IGF, visite http://www.intgovforum.org

Data da publicação: 

Novembro de 2009

ASSOCIAÇÃO PARA O PROGRESSO DAS COMUNICAÇÕES (APC)1

Nota introdutória: o IV Fórum de Governança da Internet (IGF), evento pluralista mundial organizado pelas Nações Unidas para debate e diálogo sobre os temas relacionados à governança da Internet, foi realizado em Sharm-el-Sheik, Egito, de 15 a 18 de novembro de 2009. O IGF é resultado da segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI ), e foi realizado também em Atenas (2006), Rio de Janeiro (2007) e Hyderabad (2008). O último IGF será realizado Vilnius, Lituânia, de 14 a 17 de setembro de 2010, e nesse ano será também discutida a continuidade desta iniciativa.2

A Associação para o Progresso das Comunicações (APC ), a mais antiga rede mundial de organizações da sociedade civil que trabalham no campo das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e justiça social, reconhece a importância do IGF como uma oportunidade única de promover o debate e diálogo entre todos os grupos de interesse, e apoia sua continuidade. Neste documento avaliamos o IV IGF e fazemos algumas recomendações para que este processo siga adiante.

RECONHECIMENTO CRESCENTE DA IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NA GOVERNANÇA DA INTERNET

O tema dos direitos humanos foi muito mais proeminente neste IGF, tanto nas oficinas como nas sessões plenárias. Foi muito significativo o consenso entre painelistas de todos os grupos de interesse na sessão plenária sobre “Segurança, Abertura e Privacidade” que privacidade e segurança não podem ser barganhadas entre si como prioridades opostas que precisam ser equilibradas. Ambas são igualmente importantes.

As oficinas que tiveram como temas mídia social, liberdade de expressão, liberdade de informação e direitos da sexualidade concluíram que intervenções técnicas, legais e outras com o objetivo de regular o uso da Internet deveriam ser firmemente baseadas em instrumentos de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, e deixar nas mãos das pessoas o controle último sobre suas vidas, ações, interações, expressões e seus dados online.

Houve um consenso amplo que o desenvolvimento da internet deveria levar em conta as referências de direitos humanos existentes (por exemplo, a declaração universal de direitos Humanos) que podem ajudar a assegurar o reforço de direitos individuais e coletivos relacionados com as comunicações online. muitos concordaram que o IGF deveria identificar mecanismos concretos para defender, garantir e consolidar direitos na internet na prática e contribuir para os desafios expressos em níveis nacionais e internacional em relação ao desenvolvimento de regulamentação e recomendações que apoiem a aplicação de referências já consensuadas neste campo.

Na oficina sobre regulamentação de conteúdo e direitos de sexualidade, organizada pelo programa de mulheres da Apc (Apc Wnsp), participantes argumentaram que a educação do usuário para enfrentar potenciais riscos em um mundo cada vez mais conectado em redes precisa integrar uma abordagem positiva dos direitos sexuais, de modo que possa responder adequadamente tanto ao potencial positivo e negativo da internet, especialmente em relação às crianças. Excesso de ênfase nos “perigos” da internet poderia prejudicar seu uso mais amplo por todas as pessoas, seja qual for a idade.

A APC aliou-se aos muitos grupos da sociedade civil que consideraram que uma nova tentativa deveria ser feita para assegurar que os direitos humanos sejam um dos temas principais do V IGF - a ser realizado na Lituânia em 2010.

REDES SOCIAIS, MÍDIA E DIREITO À PRIVACIDADE

“Mídia social” foi o tema da sessão final sobre “assuntos emergentes”,bem como de várias oficinas que buscaram lidar com as preocupações dos usuários individuais. essas preocupações incluíam direito à privacidade, direito ao anonimato online, o direito de “apagar e esquecer”, o impacto de dados sendo utilizados para propósitos outros que aqueles pretendidos pelo usuário, dados sendo coletados sem o conhecimento do usuário, e o fato de os usuários não saberem o que outros sabem sobre eles.

A APC está muito satisfeita ao ver que esta temática está ganhando destaque no IGF. o poder da internet hoje é sentido através de conteúdos gerados pelos usuários, compartilhamento de conteúdo, e o uso de ferramentas de redes sociais na mobilização de pessoas contra a opressão e a repressão. É vital que as políticas e regulações permitam que isso continue, enquanto protegem os direitos individuais contra abusos.

A APC acredita que os defensores da privacidade precisam encontrar uma maneira de articular suas preocupações de uma forma que faça sentido para os usuários da internet e, como uma comunidade na internet, deveríamos considerar o estabelecimento de normas que possam ser usadas para melhor informar os usuários quando eles inscrevem-se em sítios de redes sociais. Ficou evidente que há necessidade de pesquisa e diálogo sobre regulação e políticas, bem como sobre o comportamento dos usuários e das entidades comerciais, e o IGF é o espaço ideal para se dar seguimento à exploração sobre este tema.

ACESSO3

O tema “acesso” foi um assunto prioritário para a APC nos três primeiros IGFs. publicamos um texto temático em 20085 sobre o consenso obtido em relação aos papéis dos diferentes grupos de interesse (governo, sociedade civil, empresariado etc) e a importância da coerência entre Tics e políticas de desenvolvimento, levando em conta regulação de interesse público. para o IV IGF, o desafio foi avançar sobre a base desse consenso, divulgando práticas inovadoras por operadoras e reguladores que contribuíram com êxito para o avanço do acesso à internet pela população. Infelizmente, a oportunidade de compartilhar estratégias factíveis não foi maximizada e a proposta expressa na sessão de avaliação do IGF 2008, de trabalhar em mesas redondas menores sobre assuntos onde foi obtido algum consenso, foi descartada – em consequência, os possíveis avanços sinérgicos foram perdidos.

A APC considera preocupante o fato de que muitos participantes sentiam que a penetração maciça de telefones celulares teria resolvido o desafio do acesso. Em muitas partes do mundo ainda é necessária a implantação em grande escala de fibra óptica que facilite o acesso a preços razoáveis para quem utilize ou venha a utilizar na ponta conexão sem fio. Neste sentido enfatizamos a importância das espinhas dorsais de alta velocidade, tanto internacionais como regionais e nacionais.

São necessárias também a disseminação nacional da banda larga e estratégias que definam os atores-chave e suas responsabilidades, bem como metas para universalização da banda larga que beneficiarão a maioria da população.

Custos e preços razoáveis continuam a ser problemas centrais do desafio do acesso. As agências reguladoras não estão agindo preventivamente contra práticas abusivas das grandes operadoras, como preços inflados e comportamento anticompetitivo. No entanto, o debate sobre o controle dos monopólios em enlaces internacionais e preços de interconexão extorsivos – especialmente na África e na América Latina – está faltando no IGF. Este é um tema onde o diálogo e uma maior transparência são muito necessários e o IGF é o espaço ideal para iniciar essa discussão.

Estas preocupações foram só parcialmente tratadas neste IV IGF – no entanto, o tema do acesso está agora bem estabelecido como um componente crítico da governança da internet. A promoção exitosa de estratégias de banda larga que respondam adequadamente a esses desafios é crítica para o próximo estágio da evolução da internet como um espaço para maior intercâmbio de informação, educação e cultura e como uma plataforma para conteúdo gerado pelo usuário e para a democracia participativa.

UMA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO PARA O IGF

Em várias oficinas e na sessão plenária sobre governança da internet foi destacada a importância de relacionar a internet ao desenvolvimento sustentável, à luz dos princípios definidos na cúpula mundial sobre a sociedade da informação. As questões de desenvolvimento não têm recebido atenção adequada no IGF, com exceção do tema do acesso.

A participação de países em desenvolvimento foi muito baixa e ampliá-la precisa ser uma prioridade para o próximo IGF. A responsabilidade é não somente do secretariado do IGF e dos organizadores das oficinas, mas também dos grupos de interesse dos próprios países em desenvolvimento.

PERSPECTIVAS REGIONAIS

IGFs nacionais e regionais continuam a desenvolver-se e isso é um claro indicador do impacto do IGF. um painel sobre perspectivas regionais foi incluído na agenda do IGF deste ano. estes espaços têm um papel importante ao relacionar as dimensões nacionais, regionais e globais da governança da internet no contexto do IGF como um complexo sistema de políticas. o IGF deveria encontrar caminhos para repercutir as contribuições regionais em sua agenda global de modo mais sistemático. Além disso, os processos regionais e nacionais precisam ser reforçados e a natureza e caráter desses processos deveria ser definida por participantes regionais, nacionais e locais.

RECURSOS CRÍTICOS DA INTERNET (RCI)

A sessão plenária sobre RCI debateu o novo acordo, conhecido como “Afirmação de compromissos” (Affimation of Commitments, AOC)5, entre o governo dos EUA e a ICANN, considerado um passo importante para a internacionalização da governança da internet. A AOC gerou um novo clima no IGF no qual o contencioso decorrente do controle da icAnn pelo governo dos EUA deixou de ser um assunto central. os grupos de interesse estão claramente mais confortáveis em relação ao debate sobre RCI e a administração da internet. No entanto, a continuidade do controle dos EUA sobre o arquivo da zona raiz permanece questionável, e a APC propôs que esse controle seja transferido à ICANN no prazo mais curto possível.6

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CMSI: EM BUSCA DE UM CÓDIGO DE BOAS PRÁTICAS SOBRE ACESSO À INFORMAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO7

Esta iniciativa conjunta entre o Conselho da Europa, a UNECE8 e a APC progrediu na consulta sobre o rascunho de um código de boas práticas que foi bem recebido, e várias instituições relacionadas à governança da internet participaram na revisão do código e expressaram interesse em utilizar o código para avaliar seus processos, tão logo a próxima versão esteja pronta.9 O código de boas práticas é um instrumento que pode ter um papel na implementação prática dos princípios de multilateralismo, transparência, democracia e participação pluralista da CMSI na governança da internet.

EVENTOS PREOCUPANTES NO IGF 2009: O INCIDENTE DO POSTER DA ONI

No primeiro dia do IGF, em um evento organizado pela Iniciativa Rede Aberta (Open Net Initiative, ONI ), um cartaz sobre um novo livro denominado Acesso Controlado (Access Controlled) foi removido pelo pessoal de segurança com o argumento que os dizeres violavam a política da ONU. A frase questionada era: “A primeira geração de controles da Internet consiste basicamente na implantação de firewalls em pontos chaves das interconexões da Internet; a famosa ‘Grande Muralha da China’ é um dos primeiros sistemas nacionais de filtragem da Internet”. Aparentemente, a motivação da segurança da ONU foi o fato que o cartaz desagradou a delegação do governo chinês presente no IGF. A APC compreende que o IGF tem que aderir às políticas e protocolos da ONU . No entanto, é lamentável que alguns governos, fazendo uso de seu poder e posição, usem protocolos para prejudicar o debate sobre assuntos relevantes para a governança da Internet, o objetivo central do IGF.

SESSÃO HONORÁRIA DO PAÍS SEDE

No último dia do IGF, a primeira dama Suzanne Mubarak coordenou uma sessão. O evento e as consequentes mudanças no programa original foram informados aos organizadores das oficinas e sessões plenárias apenas dois dias antes do início do IGF. A inserção de um evento não programado no último dia do IGF pelo país sede desorganizou o trabalho do fórum. A intensa segurança requerida, que incluiu a proibição da entrada de telefones celulares e câmeras no recinto, afetou a atmosfera de interação aberta e construtiva entre os grupos de interesse que é um atributo central do IGF.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

O IV IGF foi um pouco cauteloso em relação a inovações ou à inclusão de novos temas controversos para discussão. Essa cautela pode ser parcialmente atribuída ao processo de avaliação do IGF e ao desejo de não criar problemas com qualquer das instâncias de interesse em um momento em que o futuro do IGF está em questão. A AOC, que dá à ICANN maior autonomia em relação ao controle dos EUA, também suavizou os intensos debates dos IGFs anteriores sobre a administração dos recursos críticos da Internet e sobre a cooperação aprofundada relativa a princípios de políticas públicas que afetam essa administração.

O consenso na abordagem dos aspectos igualmente importantes da privacidade e da segurança para a governança da Internet, em contraposição à visão que estas são questões críticas que têm que ser balanceadas ou barganhadas entre si, foi significativo e abre o caminho para a discussão de um padrão global de privacidade. Talvez estes sejam sinais de maturidade – indicam que o IGF pode ter chegado a um certo equilíbrio e sugerem a aceitação do mesmo como um espaço aberto para um diálogo de políticas construtivo e voltado para o futuro.

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1. Ver http://www.apc.org

2. Tradução de Carlos A. Afonso. Esta versão do documento está editada e apresenta os pontos principais da avaliação da APC

3. Neste IGF, acesso foi tratado de maneira ampla, incluindo conectividade à internet, preços razoáveis para o usuário final, diversidade linguística, bem como acesso para pessoas com necessidades especiais.

4. Ver http://www.apc.org/en/pubs/issue/openaccess/all/building-consensus-inter...

5. Ver http://www.icann.org/en/announcements/announcement-30sep09-en.htm#affirm....

6. Ver intervenção de Willie currie em http://www.intgovforum.org/cms/2009/sharm_el_sheikh/Transcripts/sharm%20...

7. Ver http://www.intgo-vcode.org/index.php/main_page.

8. Ver http://www.unece.org

9. Instituições participantes incluiram a internet society (ISOC), o World Wide Web Consortium e a ICANN.

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